Uma ofensa racial durante uma partida de futebol entre Santos e Ponte Preta, pelo Campeonato Paulista de 2020, custou o emprego do comentarista Fabio Benedetti, da Rádio Energia 97, de São Paulo. Mas isso não impediu a rádio de ser acionada na justiça pelo comentário racista de seu funcionário. O autor da denúncia, o defensor público do Amazonas Arthur Macedo, ajuizou uma ação contra a rádio, que resultou numa conciliação judicial definida em audiência no último dia 20 de abril, obrigando a empresa a pagar cinco cestas básicas para uma instituição filantrópica do Amazonas.
O defensor Arthur Macedo, que também é Diretor de Assuntos Sociais da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Amazonas (Adepam), tomou conhecimento do comentário racista contra por meio de notícias veiculadas na imprensa. O jogador ofendido diretamente, o atacante Marinho, que é afrodescendente, gravou um vídeo após o incidente, chegou a chorar e reclamou da falta de punição para este tipo de crime. Indignado com a postura do comentarista, Arthur, que é negro, acionou a rádio na justiça. “Em se tratando de uma fala racista veiculada em um programa da rádio, era mais fácil acioná-la, com base no código de defesa do consumidor, e não o comentarista, até porque eu somente tinha o endereço da empresa”, explicou Arthur, acrescentando que a rádio também será obrigada a divulgar o resultado da ação no mesmo programa em que ocorreu o incidente.
O defensor explica que o termo “senzala” remete a fatos históricos que envolvem toda a comunidade afrodescendente no Brasil. “Tivemos 338 anos de escravidão e até hoje temos resquícios disso”, diz ele, que conta ter ficado satisfeito com o resultado da ação. “Claro que é importante que uma instituição de Manaus receba a doação, mas achei importante também eles noticiarem que foi em decorrência do comentário racista. Como a audiência (da rádio Energia 97) é grande, achei que isso seria o melhor remédio”, declarou ele, que escolheu o abrigo São Vicente de Paulo, em Manaus, para receber as cestas básicas. A empresa tem até o dia 5 de maio para cumprir o acordo de conciliação.
Com mais de 300 anos de escravidão, o Brasil foi a última nação do mundo a abolir a escravatura e o país das Américas que mais recebeu pessoas escravizadas do continente africano, deixando marcas da cultura e da estrutura social escravocrata no país até os dias de hoje. Por isso, diz-se que o racismo no Brasil é estrutural, como explica a defensora pública do Amazonas e representante da Adepam na Comissão Temática de Igualdade Racial na Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Elânia Fonseca do Nascimento.
Segundo a defensora, além de institucional, ou seja, de estar permeado nas instituições, o racismo estrutural está presente e molda a estrutura da sociedade brasileira, determinando as relações de privilégio e exclusão no país.
“No Brasil, alguns debates estão ganhando corpo em relação à temática racial, e acaba sendo um tema bastante polêmico, uma vez que parte da população acredita que não haveria racismo no Brasil, de que a gente viveria numa democracia racial, onde somos todos amigos e não haveria diferença entre brancos, negros e indígenas. ‘Eu não sou racista, eu tenho até um amigo negro’, eles dizem. Mas a gente precisa conversar sobre algumas questões que aconteceram no passado e que estão muito presentes hoje, que repercutem na nossa cultura, em dados econômicos, repercutem no sistema de polícia, repercutem até no atendimento de uma pessoa negra numa instituição médica”, explica.
Associação das Defensoras e Defensores faz campanha contra o racismo (box)
O presidente da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Amazonas, o defensor público Arlindo Gonçalves, conta que a associação desenvolve junto à Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), da qual é filiada, a campanha “Racismo se combate em todo lugar”.
“A finalidade é incentivar a igualdade étnico-racial, o acesso a direitos a políticas públicas. E quando falamos de igualdade racial, aí envolvemos não apenas negros, mas também populações tradicionais, os próprios indígenas, que acabam sofrendo algum tipo de preconceito e diversidade de tratamento”, enfatiza.
*Com informações da assessoria/Foto: Divulgação