Um diálogo amplo para entender os impactos das mudanças climáticas nas populações indígenas e tradicionais. Essa é a proposta da Conferência Internacional sobre Populações Indígenas e Mudanças Climáticas, que será realizada de 26 a 27 de novembro, na França. O evento será preparatório à 21ª Conferência do Clima (COP 21) e terá a participação da antropóloga Angela May Steward, líder do Grupo de Pesquisa em Agricultura Amazônica do Instituto Mamirauá.
A pesquisadora, que atua na região do Médio Solimões desde 2011, participa da sessão “Impactos, Vulnerabilidades e Responsabilidades”, no segundo dia. Angela apresenta o trabalho “Rising Above the Flood: Modifications in agricultural practices and livelihoods systems in Central Amazonia, perspectives from ribeirinho and indigenous communities“, que foi selecionado entre um grande número de inscritos do mundo inteiro, juntamente com outra iniciativa do Acre. Serão os únicos representantes do Brasil a participar do encontro que reúne cientistas, populações indígenas e tradicionais e governos.
“A ideia é dar espaço para os povos indígenas e tradicionais expressarem suas experiências convivendo com as mudanças climáticas. Muitas vezes, essas populações moram nos ambientes mais sensíveis e podem ser as primeiras pessoas a observar as mudanças e sentir seus efeitos negativos. Mas também mostrar como estão se adaptando, nos seus meios de vida e a sua resiliência. São essas perspectivas, que muitas vezes não são ouvidas nessas grandes conferências, que serão discutidas”, enfatizou a pesquisadora.
O trabalho a ser apresentado, de pesquisa e extensão desenvolvido pelo Instituto Mamirauá, ressalta um ambiente de agricultura familiar na Amazônia. Na região do Médio Solimões, o calendário de produção agrícola é determinado pela cheia. “Grandes cheias já são uma realidade para essas populações. Nos últimos cinco anos, a gente tem ouvido relatos que as cheias são diferentes, pois acontecem antes do normal e duram mais tempo”, relatou Angela.
Nesse cenário, pesquisadores e técnicos do Instituto Mamirauá estão acompanhando essa nova dinâmica e seu impacto. Segundo a antropóloga, mais agricultores estão começando a pensar em um “banco de sementes locais” e buscando áreas de terra firme: “Em função das mudanças no padrão de enchente, muitos agricultores da várzea estão procurando áreas na terra firme, muitas vezes próximas as cidades da região, para manter roças pequenas, que servirão como áreas para conservar sementes tentando evitar perda das variedades de mandioca e outros tipos de cultivo”.
Durante a apresentação, a pesquisadora também vai abordar o impacto dessas mudanças no preço da farinha. “Tem duas coisas que acontecem quando a água está subindo muito rápido. As pessoas estão colocando a mandioca e fazendo farinha bem rapidamente, e por um tempo o preço da farinha baixa, mas depois que é vendido pode ter falta de farinha, aumentando os preços. Isso pode ser bom para quem mora na terra firme e ainda tem produção, mas as pessoas que moram na várzea sofrem, pois eles têm que comprar farinha num preço bem alto”, disse.
Para Angela, a agricultura migratória é a forma que sustenta milhares de famílias na Amazônia, pois permite às famílias produzirem para os mercados regionais e para o seu próprio consumo. “Não são esses agricultores que provocam grandes desmatamentos, faz parte da economia doméstica, do modo de vida da população tradicional, e deve ser defendido no sentido das comunidades manterem-se onde estão. Vale pena defender esse modo de vida, tanto lado socioeconômico, como ambiental”.
O evento é realizado pelo Museu Nacional de História Natural da França e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Com informações da assessoria