A cena não durou mais que meia hora. Em um ponto dos 225 km² do lago Mamirauá, é possível perceber uma movimentação diferente. Um grupo de animais começa a tomar forma, quatro ou cinco deles, se ajuntando próximo à superfície. Das águas turvas, surge então parte do corpo do que parece ser uma fêmea de peixe-boi amazônico. Em volta dela, supostamente quatro machos da espécie disputam espaço, às vezes sobressaindo a nadadeira peitoral, o dorso e a cabeça de um ou de outro. Talvez sentindo que têm companhia, o grupo submerge e reaparece minutos depois, a poucos metros. Os indícios são fortes de que o que aconteceu ali foi um acasalamento entre esses mamíferos aquáticos de comportamentos ainda misteriosos para a ciência.
De uma canoa a dez metros de distância, o fato foi visto e gravado em vídeo pelos pesquisadores do Instituto Mamirauá, Camila de Carvalho e Diogo Gräbin. Era a manhã do dia 1º de junho de 2015 e até hoje esse é o único registro de um possível acasalamento de Trichechus inunguis, o peixe-boi amazônico, em vida livre.
Naquele dia, o funcionário do Instituto Mamirauá e, na época, zelador do Flutuante Mamirauá, Arilson Lopes, foi a primeira pessoa a presenciar o fenômeno. “Era mais ou menos seis da manhã e eu vi tudo de perto. Eles estavam ‘de bubuia’ (relaxados), então logo eu reconheci”, diz. Apesar de morar há muito tempo na região, essa foi a única vez que ele avistou peixes-boi tão próximos a ele se comportando assim.
“É muito difícil observar peixes-boi amazônicos em seu habitat. Eles são animais de comportamento discreto e as águas dos rios amazônicos são escuras e turvas. Também acreditamos que a espécie ainda pode não ter se recuperado do declínio populacional causado pela caça comercial no passado”, explica Camila de Carvalho. A experiência da pesquisadora está relatada em um artigo publicado na mais recente edição da revista especializada “Latin American Journal of Aquatic Mammals“.
Do peixe-boi amazônico, é sabido que não são animais monogâmicos, como os lobos e os pinguins. Durante o período reprodutivo da espécie, um bando de machos se reúne ao redor da fêmea, tentando montá-la e abraçá-la pela parte traseira. O objetivo é alcançar seu abdomên para a cópula.
Existem relatos de grupos de peixes-boi amazônicos formados por até dezenas de machos e uma fêmea. É o que os moradores da região do Médio Solimões chamam de “cavalgação”, “cavalgaria” ou “vadiação” e o que os cientistas estão tentando entender em detalhes, como o período certo de reprodução dos peixes-boi amazônicos, se há lugares constantes de acasalamento ou como os machos sabem que a fêmea está preparada para a cópula, por exemplo.
“A atual situação das populações de peixes-boi amazônicos é desconhecida pelos pesquisadores, porque ainda não existe um método de contagem apropriado eficiente para um estudo de estimativa populacional da espécie. Estamos testando vários métodos como o uso de sonar e a realização de contagens em parceria com os comunitários. Estamos tentando e esperamos conseguir em algum momento saber se a espécie ainda está em declínio ou se a população está se recuperando”, afirma Camila, que é integrante do Grupo de Pesquisa de Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério de Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações (MCTIC), e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Não sabemos como as baixas taxas populacionais podem interferir no comportamento reprodutivo dos peixes-boi. Conhecendo o tamanho populacional, a época reprodutiva e as características deste evento podemos realizar análises de viabilidade populacional e identificar se a população ainda está em declínio ou se está se recuperando”, acredita.
Com informações da assessoria