Já imaginou saber das variações climáticas locais e globais, inclusive do passado, a partir de um filamento do tronco de uma árvore? Parece ficção, mas isso já é feito pela ciência e é um dos objetivos de uma pesquisa realizada pelo Instituto Mamirauá, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP). Os cientistas propõem avaliar as influências das mudanças de clima na floresta amazônica, a partir da análise de anéis de crescimento de três espécies de árvores.
Algumas árvores formam anéis de crescimento ano a ano. Os círculos, que podem ser observados em alguns troncos de árvores, carregam uma série de informações sobre as espécies. Para o estudo, foram escolhidas as espécies seringa barriguda (Hevea spruceana), o mututi (Pterocarpus sp.) e o arapari (Macrolobium acaciifolium), tradicionalmente encontradas na Reserva Mamirauá, região do Médio Solimões, local das coletas.
Amostras das árvores foram retiradas com um trado, instrumento de aço em forma de T, que possui uma hélice cortante em sua ponta. Para ter dados mais confiáveis, as amostras são coletadas em uma grande série de indivíduos. Elas então são enviadas ao Laboratório de Anatomia, Identificação e Densitometria de Raios X da USP, onde passam por análises quanto às suas características físicas, como a densidade.
A partir dos padrões encontrados, a informação relativa ao clima a que as árvores estavam submetidas em determinado espaço de tempo é filtrada. “Não só o clima local, como também padrões e anomalias climáticas globais”, afirma Claudio Anholetto, técnico do Programa de Manejo Florestal do Instituto Mamirauá e autor da pesquisa.
Softwares de análise estatística são utilizados para obter as informações a partir dos anéis de crescimento. Os programas sincronizam as informações contidas nas amostras e retiram as tendências biológicas de crescimento relacionadas às fases de vida das árvores. Os pesquisadores então conseguem interpretar parte do histórico da árvore e relacionar as informações encontradas com os eventos climáticos, já registrados em estudos anteriores em várias regiões do mundo.
“O software retira certas informações, que chamamos de ruído, deixando a maior quantidade de informação climática. Depois disso, comparamos essa variação de índices com os dados de equipamentos que medem precipitação, temperatura, etc. Com isso, conseguimos avaliar a influência do clima sobre o crescimento. Essa é uma das técnicas que usamos”, contou Cláudio.
Mau tempo a frente – Claudio destaca que os eventos extremos de seca ou de cheia na Amazônia devem ficar mais frequentes até o final do século, principalmente em função das altas emissões de gases de efeito estufa e das consequentes mudanças climáticas. Os estudos apontam que as partes do planeta que mais serão atingidas pelos impactos das mudanças climáticas são as regiões tropicais, como a Amazônia e o nordeste do país. “São áreas que possuem alto grau de vulnerabilidade, não somente em biodiversidade, como também no componente social”, explicou.
Estima-se que as temperaturas na Amazônia podem subir entre dois e quatro graus até o final do século. E as previsões são de que as chuvas podem diminuir até 20%. “Os desmatamentos já produzem um clima mais quente e seco na região. Isto, aliado ao aumento de temperatura relacionado às mudanças climáticas globais aumentaria o risco de incêndios florestais”, comentou.
Anéis de crescimento – A pesquisa com anéis de crescimento pode gerar dados que contribuam para a compreensão dos efeitos das mudanças ambientais e climáticas sobre a floresta. Por exemplo, se essas alterações podem influenciar na dinâmica de crescimento das árvores. “O que já sabemos é que o aumento da temperatura média do planeta, observado recentemente, é fruto da alta concentração de gases produzidos pelo homem. Por meio dos anéis de crescimento, temos a oportunidade de entender este fenômeno e ter mais informações sobre estas oscilações e seus efeitos sobre a floresta e as espécies que ocorrem lá”, contou o técnico do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Os resultados também podem subsidiar estratégias com foco em políticas públicas para o Manejo Florestal Comunitário, por exemplo, com o estabelecimento do ciclo de corte, que é o período de repouso necessário para a recuperação da floresta, antes de um novo corte. E também a idade técnica de corte, que seria o diâmetro mínimo da árvore para a exploração.
Com informações da assessoria / Foto: Amanda Lelis