Entre os kambeba da terra indígena do Jaquiri, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, 47 das 49 pessoas que residem na pequena comunidade frequentam a escola. “As outras duas ainda são muito bebês”, explica André da Cruz, coordenador geral da União dos Povos indígenas do Médio Solimões e Afluentes. A assiduidade às aulas de kambeba faz parte de um esforço coletivo entre comunitários de recuperar e fortalecer as tradições da etnia indígena, que, apesar de resistirem, passaram por um processo de esquecimento durante os últimos séculos devido à colonização da região.
Somando esforços nesse sentido, o Programa de Turismo de Base Comunitária (PTBC) do Instituto Mamirauá realizou uma reunião com moradores da comunidade Jaquiri, para dar andamento à elaboração de um plano de visitação, a partir do qual a comunidade poderá passar a receber turistas interessados em conhecer o modo de vida e as tradições da etnia kambeba. A conversa aconteceu na quarta-feira, 26.
Segundo Patrícia Rosa, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Territorialidades e Governança Socioambiental na Amazônia do Instituto Mamirauá, a iniciativa é uma oportunidade para que sejam resgatados alguns traços da cultura kambeba, como “a língua, o artesanato, a dança e até mesmo os hábitos alimentares”.
“Essa é uma realidade daqui mas pode ser estendida a outras terras indígenas. Durante muito tempo eles deixaram de falar a língua de origem. Houve um apagamento de vários elementos do que seria uma identidade indígena. Foi imposto aos indígenas um modo de vida não indígena”, complementa a pesquisadora.
Uma das ideias discutidas foi a possibilidade de intercâmbio cultural entre kambebas do Jaquiri e de outras comunidades da região. “Nos orgulhamos de ter, hoje, seis professores bilíngues em comunidades kambeba. Fui professor na comunidade durante 22 anos, era um sonho começar a trabalhar com turismo aqui. Nós vamos nos unir novamente para esse intercâmbio, eles (populações kambeba de outras localidades) vêm olhar como é a comunidade aqui e nós vamos ver como é lá. Precisamos estar mais perto uns dos outros”, conta André da Cruz.
O plano
O plano de visitação é uma exigência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a realização de projetos de turismo em terras indígenas. O documento vai estabelecer regras e orientar as atividades para que a comunidade possa acolher pessoas de diferentes países e mostrar a cultura kambeba, além de ganhar uma alternativa para incrementar a renda dos comunitários.
Quando o processo estiver concluído, a comunidade poderá receber turistas hospedados na Pousada Uacari, um empreendimento de ecoturismo gerido em parceria entre o Instituto Mamirauá, organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e moradores de seu entorno na Reserva Mamirauá com o objetivo de gerar renda para comunidades ribeirinhas.
“A ideia é que essas pessoas venham aqui para conhecer e vivenciar o cotidiano da comunidade”, afirma Pedro Nassar, coordenador do PTBC. Experiências similares já acontecem em outras comunidades ribeirinhas beneficiárias da pousada flutuante, mas essa será a primeira implementação de um projeto de turismo de base comunitária em terra indígena nas regiões do Médio e Alto Solimões.
Gestão territorial
Para Patrícia Rosa, o turismo na região é também uma forma de gestão do território pelos próprios moradores. “A ideia é que eles se apropriem da ferramenta do turismo para fortalecer ações de monitoramento territorial. Quando se abre uma trilha para o turismo, eles não estão só apresentando o local para os turistas, mas também monitorando o que está acontecendo nele, o que acaba criando práticas de cuidado. ”
João Fernandes Cruz, tuxaua (liderança eleita pelo povo da aldeia) do Jaquiri, entende que o turismo pode beneficiar a comunidade de diferentes formas. “Isso pode fortalecer a nossa identidade como indígena, a proteção da nossa terra, a nossa renda. Esperamos que esse plano possa melhorar cada vez mais a integração da sociedade com a população indígena da região. ”
“Nós temos um pouco do conhecimento da tradição kambeba, mas não temos todo. E tudo o que foi do povo kambeba nós queremos resgatar e colocar aqui em nossa aldeia. Algumas palavras do nosso vocabulário que ninguém mais sabe, nossa dança e comidas típicas. Não só para apresentar, mas para ser usado como instrumento no nosso dia a dia”, completa.
Com informações da assessoria