O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi publicaram, na última semana, uma carta pública sobre este projeto de lei i n? 29/2015, que atualmente tramita no Congresso Nacional. O projeto trata da exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos e dos conhecimentos tradicionais sobre propriedades e usos de espécies da flora e fauna do Brasil, seus subprodutos, extratos, e outras substâncias. Em fevereiro, o projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e seguiu para avaliação e votação no Senado Federal. De acordo com essas instituições de pesquisa, que atuam na Amazônia, a aprovação do projeto foi positiva, mas carece de mais reflexões, já que não garante que os povos tradicionais decidam sobre o acesso ao conhecimento tradicional. Além disso, permite amplo acesso de empresas estrangeiras ao patrimônio genético nacional.
A carta pública destaca que a comunidade científica brasileira esteve envolvida no processo de discussão das leis de acesso à biodiversidade brasileira desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992. O assunto foi discutido primeiramente no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, e depois com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com a participação do Instituto Mamirauá, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Desde então, com o envolvimento dessas instituições nas discussões, o resultado foi um anteprojeto de lei sobre pesquisa com acesso ao patrimônio genético e à biodiversidade brasileira, enviada à Casa Civil, por meio de um aviso assinado pelos ministros Sérgio Rezende (então Ministro da Ciência e Tecnologia) e Carlos Minc (então Ministro do Meio Ambiente). Nesse documento, deixava-se claro que a medida provisória nº 2.186-16 de 2001 e o decreto nº 4.946 de 2003, única regulamentação vigente até aquele momento, criavam “restrições ao desenvolvimento da pesquisa científica nacional, não atingindo sua finalidade legislativa de regular o acesso, combater a biopirataria e repartir benefícios, estimulando a pesquisa científica”.
Um aspecto do projeto de lei que merece reflexão crítica por parte da sociedade brasileira, e especialmente da comunidade científica, diz respeito à repartição de benefícios decorrentes da exploração dos recursos genéticos ou dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Pela forma como foi aprovada pala Câmara, essa previsão no texto configura um retrocesso em relação à norma atualmente em vigor (MP 2.186-16). A MP, em seu art. 8, §1º, assegura o direito de decisão dos povos indígenas, comunidades tradicionais, e não somente o direito de “participar da tomada de decisão”.
Por isso, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi declaram-se publicamente preocupadas com o teor do projeto de lei e pedem aos senadores revisão dos seguintes pontos:
– Artigo 11º: a pesquisa feita por pessoa jurídica do exterior só deve ser permitida mediante associação a uma instituição de pesquisa nacional.
– Artigo 10º: garantir que os povos indígenas, as comunidades e os agricultores tradicionais decidam sobre assuntos relacionados ao acesso ao conhecimento tradicional.
– Permitir que as comunidades tradicionais possam negar ou impedir o acesso aos seus conhecimentos.
– Alterar a previsão de independência, para dependência de consulta às comunidades indígenas, tradicionais, quilombolas, caboclas, quanto ao acesso ao conhecimento tradicional.
Confira aqui a carta na íntegra e aqui o projeto de lei.
Foto: Everson Tavares